A claridade mansa espalhada sobre as pedras alcança a
construção antiga do Santuário e impregna suas estruturas – mesmo nos domínios
onde o breu é a ordem, persiste a maciez como de musgos. Eu caminho sobre o
piso de madeira larga, lisa de tão encerada, e toco as paredes do corredor com
muda avidez: naquele interior monástico, a calidez dos materiais emerge pagã e
envolvente. Tateio as superfícies atenta à realidade que elas engendram, e sei
que exsudam também a paciência das pedras do rio - de dentro pra fora, a seiva
das coisas se destila rumo à celebração de um encontro com o exterior. O que
permanece é o que desejo com voracidade de dentes (minha carne transubstanciada
em fome sem corpo – o instante entre as mãos e a argila mole), trazendo à tona
minha necessidade de morder para sentir a consistência que resiste se
entregando daquilo que alcança meus ossos num estremecido calafrio de
felicidade. O que permanece está ao meu alcance: oferenda - sobre pedras,
mesas, vasos, líquens – o mundo se expõe ofertado e viçoso.
Perambulando pelas dependências internas do Santuário, é
pelo tato que eu me nutro daquela espécie de halo das coisas, e vislumbro o que
parece ser uma organização: só se poderia viver naquele lugar sendo nítido,
puro, pleno como uma árvore - e no entanto há camas, lençóis, há talheres e
toalhas. A água de banho é aquecida - mas jamais incolor: na porcelana da pia
eu vejo a água do rio, sua cor de chá; sinto na pele sua textura mais íntima,
oleaginosa. O doce dessa água - desses rios – é húmico e ferroso, e suas
nuances vão do vermelho ao âmbar, do intenso ao esmaecido. Os alimentos
servidos no refeitório são batizados como eu nessa água, e a água benta
espargida pelo padre durante a missa... é sempre a rupestre água, desenrolada
no fundo da terra, e que faz da missa, da hóstia e da igreja um eufemismo
dispensável pra mim.
O improfanável – eis a pedra fundamental desse reino ao qual
me uno através do hálito irradiado de todas as coisas desse lugar.
A noite dentro do quarto é maciça e impermeável sob o peso
do adobe das paredes – a arquitetura lúcida atravessa o meu sono e eu durmo sem
sonhos – como as pedras.